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Kúdia Narciso

«Nem sempre é fácil ser artista»

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As dificuldades enfrentadas pelo tecido artístico em África são uma problemática que não é recente. Falta de apoio por parte dos governos e pseudónimos que não revelam a verdadeira identidade do artista são alguns dos aspetos que poderão estar relacionados com a saúde da arte, em território africano. Mas, perante um cenário negativo, emergem barreiras de defesa. As trocas intergeracionais entre os artistas emergentes e consolidados são agora uma realidade comprovada pela partilha de conhecimento e experiências e, grosso modo, os artistas têm-se vindo a unir de modo a internacionalizar a sua arte. Exemplo disso é Kúdia Narciso. Há quem trabalhe cinco dias por semana, mas ele não. De raízes angolanas, o artista plástico dedica todos os seus dias à arte. Em tudo o que vê e sente encontra um motivo que o faz continuar. Narciso não busca pela arte encerrada nos dicionários, mas a que vasculha o passado e ganha outro formato no futuro. Ainda na busca pela perfeição, o artista mantém-se simples no seu interior. 
Norberto Narciso é o seu verdadeiro nome, mas assegura não haver uma linha que o separe do seu pseudónimo. Procurou abrir horizontes com as viagens que fez, para compensar os oito anos de escolaridade que lhe foram permitidos frequentar. Brasil, Espanha e África do Sul. Por aí andou, a absorver o que o vento, o mar, as pessoas e a arquitetura lhe transmitiam. De regresso a Angola, depara-se com alguns contrastes, que não lhe eram visíveis quando deixara o país, pelo que ficou «surpreendido por ver uma realidade que poderia já não existir». Entretanto, a vida encarregou-se de lhe mostrar outro mundo que não o da arte. A Igreja e a função de contabilista aduaneiro passaram a representar a sua vida, embora nunca tenha parado de dar uso ao seu caderno de rabiscos. 

O sonho de um dia levar o país além-fronteiras
Até chegar a COVID-19. Impondo-se a pandemia, Narciso viu-se numa situação de desemprego, pelo que entreter a mente se tornava uma necessidade. É então que decide juntar-se à União Nacional de Artistas Plásticos (UNAP), e pode dizer-se que, a partir daí, a sua vida deu um avanço significativo. Durante algum tempo, colocou-se na posição de aprendiz, passando parte dos seus dias a observar o trabalho reproduzido por outros artistas. Aos poucos, foi conquistando o seu espaço, sendo-lhe cedida uma sala para que pudesse trabalhar a sua arte, a sós. Só ele e as palavras indizíveis. 
As suas peças começaram a ser expostas na agremiação cultural e, por conseguinte, o público comprava. A partir daí, o artista percebeu que seria o momento certo para se entregar devotamente à paixão que guardara desde miúdo, e foi assim que a UNAP se tornou uma segunda casa para si. Mas o seu gosto pela fotografia também não passa impune. Influenciado por um amigo, conta que se serviu bastante tempo de uma máquina modesta, com pouca resolução, mas que toda a vez que a usava lhe saciava o coração. Assume ser um amor distinto da pintura, esta que é comparada ao diluir do dia.
Um outro processo que descobriu recentemente foram as máscaras. Não umas máscaras quaisquer, máscaras de farelo. «Uso várias técnicas. Posso meter arames, as caricas das garrafas... Uma ideia que surgiu do nada. A minha mulher faz kissângua, uma bebida usual em Angola, produzida com farela. Vem daí a inspiração. Aproveitei aquilo que sobrava da kissângua. Experimentei aliar com cola branca e fui modelando», explica Kúdia. Acreditando que o sucesso deriva do trabalho, admite que «nem sempre é fácil ser artista», especialmente em Angola. Confessa que o Ministério da Cultura deveria prestar mais apoio aos projetos culturais, mas que, enquanto esse dia não chegar, pretende aperfeiçoar a técnica e alimentar o espírito. Resta o sonho de um dia levar o país além-fronteiras e, quiçá, tornar-se ele mesmo uma inspiração. Hoje Kúdia, amanhã outro artista africano com a mesma ambição. 
T. Joana Rebelo
F. Edson Azevedo