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Fernanda Renée Samuel

«É urgente introduzir a disciplina de Educação Ambiental em todos os níveis de ensino»

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Dificilmente estabelece uma fronteira entre o trabalho e o lazer. Grande parte da sua labuta é realizada em campo, na praia, juntamente com os voluntários da OTCHIVA e as comunidades de pescadores e os pesquisadores. Fernanda Renée, ambientalista, diverte-se enquanto trabalha, pois, «a maioria dos meus amigos e familiares estão comigo nos programas de restauração e conservação das zonas húmidas, em particular dos mangais». O impacto das alterações climáticas tem sido o foco de Renée. Gosta de ler, o que inevitavelmente a leva a uma leitura mais especializada sobre assuntos do meio ambiente, e, nos momentos de reflexão, procura caminhar pela praia, enquanto contempla os flamingos e outras aves migratórias. Retrata-se como «filha do mar e trabalhadora do mar». Conheça a mais jovem do Conselho da República, que vive as preocupações do meio ambiente como ninguém. 

É uma das referências mundiais no que toca à defesa do ambiente. Como se sente por estar entre estas referências e que importância tem para si o ambiente?
Primeiro, sinto-me abençoada por ter feito opções acertadas, com a ajuda de pessoas dotadas de muita sabedoria e boa fé. Enquanto fui quadro do Ministério do Ambiente, tive a oportunidade de participar em sessões de trabalho na sede da União Africana, em Addis Abeba, onde conheci a Comissária para a Agricultura, Economia Rural e Desenvolvimento Sustentável, a Engenheira Josefa Sacko, uma angolana com grande visão que me elucidou que o futuro do continente passa pela preservação da sua rica biodiversidade e que isso só será possível se educarmos as novas gerações. Outro grande impulso que permitiu que o nosso trabalho fosse conhecido e reconhecido foi o empenho desinteressado de jornalistas como o Alves Fernandes, o Álvaro Vitória e outros, que se tornaram membros da grande família de voluntários e mobilizaram toda a comunicação social nacional e internacional, bateram portas e fizeram lobbies para a causa da OTCHIVA. Graças a eles, as autoridades nacionais tomaram conhecimento da essência e da dimensão do nosso trabalho e algumas entidades envolveram-se de corpo e alma, como o antigo Vice-Presidente da República, Dr. Bornito de Sousa; a antiga Ministra das Pescas, Dra. Antonieta Baptista; o Chefe do Estado Maior General-Adjunto das FAA, General João Santana, «Lungu»; a Presidente da Rede Mulher Polícia, Comissária-Chefe Elisabeth Ranque Franque, «Bety»; assim como vários embaixadores acreditados em Angola e representantes das agências das Nações Unidas. Mas devo dizer que o maior apoio veio sempre dos voluntários e das comunidades, que são os verdadeiros guardiões dos mangais. Por isso, sinto-me encorajada e comprometida com esta causa. Agora, já não se trata apenas da Fernanda Renée, mas de toda Angola, uma vez que o Mais Alto Mandatário da Nação, o Presidente João Lourenço, colocou no centro das prioridades do Executivo os problemas ambientais, a proteção da orla marítima, a conservação das espécies e a transição energética. 

O ecossistema de mangais é uma das pérolas de Angola. 
Aprendi desde muito cedo que os ecossistemas de mangais constituem a maternidade de cerca de 80% da vida marinha; é lá onde se reproduzem os peixes, crustáceos e moluscos; os mangais constituem igualmente barreiras naturais contra calemas, tufões, tsunamis e outras catástrofes naturais; também servem de barreira para travar os resíduos sólidos arrastados para as praias pelas águas da chuva. Hoje, a ciência confirma que os mangais têm capacidade para absorver cinco vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que as florestas continentais. Por conseguinte, o meu mundo profissional e o mundo de lazer confundem-se e constituem um mundo de muito trabalho, conhecimento e entretenimento, mas sem perder o foco.

Não enveredou pela Engenharia de Produção de Pesquisa e Produção de Petróleos e passou a ter o ambiente como foco na sua vida, por alguma razão em especial?
Não cheguei a laborar efetivamente na indústria petrolífera, embora tenha feito o estágio curricular no final da minha formação. Mas hoje o mundo inteiro está cada vez mais consciente de que a salvação do planeta passa pela redução drástica da utilização de combustíveis fósseis. E, além dos compromissos assumidos pelo governo, com base nas recomendações da ONU, é encorajador constatar que são as multinacionais do Oil & Gas que mais apostam na produção de energias limpas, com realce para a energia eólica e energia solar ou fotovoltaica, tal como os biocombustíveis e o hidrogénio verde.

«O mundo inteiro está cada vez mais consciente de que a salvação do planeta passa pela redução drástica da utilização de combustíveis fósseis»

Já foi várias vezes premiada. Qual foi o prémio que mais a marcou?
 O primeiro foi o da Odebrecht, sobre A Contribuição das Engenharias para o Desenvolvimento Sustentável. Acabava de me formar e a minha monografia foi logo premiada, o que me marcou profundamente. Depois vieram outros prémios: em fevereiro de 2020, durante as celebrações do Dia Africano do Ambiente, em Freetown, na Serra Leoa, fui distinguida com o Diploma de Mérito da União Africana. No final do mesmo ano, a UNESCO juntou-se à União Africana para distinguir várias personalidades e instituições angolanas e estrangeiras que têm apoiado os esforços da OTCHIVA. Também fui finalista dos Prémios Jovens Campeões da Terra da ONU e do Earth Prize, promovido pelo Príncipe Harry. Agora, o Prémio de Jovem Campeã Mundial para a Conservação das Zonas Húmidas, que conquistei recentemente em Genebra, Suíça, é muito especial porque, além de ser uma das maiores distinções atribuídas pela Convenção de Ramsar –uma instituição afeta à Organização das Nações Unidas –, tem a particularidade de engajar o nosso país. Por esta razão, devemos trabalhar todos em conjunto, governo, sociedade civil, setor privado e comunidades, porque, em termos de conservação das zonas húmidas, o mundo espera muito mais de Angola. 

O seu trabalho tem sido reconhecido pela ONU. Alguma vez imaginou estar neste patamar, sendo ainda tão jovem?
Eu e os companheiros da OTCHIVA somos sonhadores, mas aprendemos desde muito cedo que só com trabalho árduo poderíamos realizar os nossos. Nunca sonhei com prémios nem com capas de jornais, mas sempre acreditei que não iríamos ficar a vida inteira sozinhos a clamar no deserto. Sabia que algum dia a nossa voz seria ouvida e a nossa mensagem entendida. É por isso que somos uma organização aberta, sem formalismos, todo o mundo pode participar nas nossas campanhas: estudantes, profissionais de qualquer especialidade, militares, polícias, bombeiros, famílias inteiras... Enfim, não temos limitações para quem queira estar connosco na limpeza das praias, na reflorestação dos mangais, na denúncia de predadores que depositam entulhos e lixo nas praias. Acima de tudo, temos um compromisso muito sério com as comunidades, porque os mangais são a sua principal fonte de subsistência, e os membros das comunidades de pescadores, uma vez apoiados e capacitados, tornam-se nos principais protetores dos mangais. O nosso trabalho também contribui para a redução da fome e da pobreza e para o aumento da renda das famílias que vivem da pesca e, sobretudo, da apanha de crustáceos e moluscos. 

Sendo Angola rica em fauna e flora, de que forma podemos consciencializar as pessoas de que é necessário cuidar do ecossistema?
É preciso adotar políticas públicas assertivas com legislação apropriada. Desde o saneamento básico até ao reforço da fiscalização, tanto na orla marítima como nas florestais do interior. Com tanta juventude desocupada, Angola poderia formar um verdadeiro exército de salvação da mãe-natureza, com milhares de fiscais ambientais, jovens de ambos os sexos bem treinados e capacitados para prevenir e combater a caça furtiva, o abate indiscriminado de árvores, as queimadas, a poluição dos solos e dos rios, bem como o tráfico de espécies protegidas. Mas, em primeiro lugar, é necessário aprovar legislação apropriada com multas pesadas. É urgente introduzir a disciplina de Educação Ambiental em todos os níveis de ensino, desde o pré-escolar até à universidade. E é também importante melhorar os programas de desenvolvimento local e combate à pobreza, tendo em conta que a pobreza e a ignorância são inimigas do ambiente.

«Com tanta juventude desocupada, Angola poderia formar um verdadeiro exército de salvação da mãe-natureza»

Fala-se muito da presença de resíduos no oceano, da desflorestação massiva, da poluição... Aos seus olhos, como vamos encontrar o ecossistema daqui a 20 anos, por exemplo, se não se atuar já?
Calcula-se que existam atualmente mais de 150 milhões de toneladas de plástico nos oceanos. Isso equivale a um camião de lixo cheio de plásticos despejado no mar a cada minuto. E esses dados são anteriores a 2020. Quer dizer que, se nada for feito, até 2024, a quantidade de plásticos dos oceanos poderá triplicar. 

É a mais jovem no Conselho da República. Como encarou este desafio?
É um grande desafio. No início, não foi fácil, porque não sou muito de gabinetes, nem de grandes formalidades. O meu trabalho é geralmente ao ar livre, descalça e com os impulsos da brisa do mar. Ter de cumprir todo um cerimonial, diante de Sua Excelência e ao lado de pessoas mais velhas, políticos, empresários, académicos, líderes religiosos e figuras distintas da sociedade, foi, e é, uma grande responsabilidade. Mas rapidamente percebi que é também uma rica oportunidade para beber da experiência dos mais velhos e aprender as melhores formas de canalizar as inquietações e contribuições dos ambientalistas e de toda a sociedade para que o Presidente da República e os seus auxiliares possam adotar as melhores soluções em resposta aos problemas do povo. 

Celebramos o 13.º aniversario da revista Villas&Golfe, em Angola. O que representaram para si estes últimos 13 anos, na sua vida e no país?
Há 13 anos, eu não passava de uma menina, uma estudante a lutar, porque a destruição dos mangais do Lobito, devido à febre da construção civil e à ocupação anárquica das praias, provocou o desaparecimento dos flamingos da minha infância. Eu queria ser grande para travar aquelas máquinas monstruosas e poder realojar as populações carentes que buscavam refúgio nas praias. De lá para cá, muita coisa mudou. Fundamos a OTCHIVA para termos um instrumento de luta legal e bem organizado. Com o passar do tempo, o país despertou para a necessidade de medidas sérias quanto ao saneamento do meio e à proteção da extensa costa atlântica. O Ministério do Ambiente voltou a ganhar autonomia, esperando-se que venha a ser dotado de recursos à altura dos grandes desafios do presente e do futuro. E, hoje, há cada vez mais investimentos amigos do ambiente, como o Mangais Golf Resort, na Barra do Kwanza, onde já se pode fazer um turismo de excelência, com campos de golfe em perfeita harmonia com a vida selvagem e praias com águas cristalinas, proporcionando atividades desportivas e lúdicas em ambiente sadio; excursões encantadoras e condições de alojamento de alto padrão, sem esquecer a rica gastronomia com iguarias locais e internacionais.
Maria Cruz
T. Maria Cruz
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