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João Martins

«A intenção é transformar a SECIL numa empresa competitiva e, quiçá, a maior e mais bem posicionada no mercado nacional»

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João Martins, natural de Angola, é o atual Coordenador da Comissão de Gestão da SECIL Marítima S.A. Em entrevista à V&G, confessa o caráter desafiador do seu cargo na empresa de transportes e logística, revelando uma carreira profissional recheada de inúmeras experiências dentro e fora de Angola. O ensino tem sido uma das suas maiores paixões, procurando estar sempre atualizado em diversos domínios, o que reflete o número admirável de licenciaturas e mestrados que constam no seu percurso académico. Entre muitos temas, João explica o rumo que a SECIL tomou depois de uma forte crise pandémica, divulgando pormenores sobre o crescimento da empresa. Com 60 anos e muita experiência profissional no curriculum, o gestor fala das limitações do setor em Angola, assim como do papel fundamental da SECIL Marítima no contexto económico do país.
Como descreve o seu percurso profissional?
Fiz o ensino básico na província de Cabinda, tendo concluído o ensino médio na República Federativa da Jugoslávia, em 1980, na especialidade de criminalística. Seguiu-se a licenciatura e mestrado em Política Económica na República da Bulgária e o regresso ao meu país 10 anos depois. Ao longo do meu percurso, fiz múltiplas formações, tais como Controlo de Gestão Up-To Date 2010 e Comercio Internacional e Gestão Estratégica de Recursos Humanos. Já a minha carreira profissional é extensa. Trabalhei na Direção Nacional de Investigação Criminal e fui assessor na Direção Nacional de Inspeção e Investigação das Atividades Económicas. Lecionei as cadeiras de Introdução à Atividade Económica, Noções de Práticas Administrativas, Marketing e Estudos do Mercado. Fui colocado como Diretor Provincial de Investigação Criminal em Cabinda e desempenhei muitos outros cargos até chegar a setembro de 2015, altura em que fui nomeado para exercer o cargo de Administrador Executivo da Área Administrativa e Financeira na Empresa SECIL Marítima SA., onde atualmente exerço o cargo de Coordenador da Comissão de Gestão da empresa.

Quais as estratégias adotadas pela SECIL Marítima no que toca à logística e transportes?
Não tendo embarcações de transporte de cargas, a administração da empresa enveredou por um processo de transporte de cargas através de embarcações de outros armadores internacionais, proporcionando aos nossos clientes um serviço de logística «porta-a-porta», desde os mercados de aquisição até ao armazém de destino do importador. A SECIL Marítima concentrou maioritariamente a sua atividade logística na gestão da Linha de Crédito da China, que lhe proporcionou uma carteira de clientes oriundos desse mercado e, além do segmento de logística, a empresa recebeu do IMPA (atual AMN-Agência Marítima Nacional) quatro catamarãs usados para o transporte de passageiros. Também recebeu da Sonangol seis catamarãs para transporte de passageiros. O maior desafio, agora, é a criação de condições para o arranque da cabotagem de carga com o Ferry Cabinda e a abertura da rota Luanda-Cabinda, diversificando assim a nossa carteira de negócios e clientes através da expansão comercial para novos mercados.

«Creio que temos um caminho longo a percorrer para transformar este setor de atividade mais atrativo»
Tem sido desafiador exercer o cargo de Coordenador da Comissão de Gestão? Em que valores assenta a sua liderança?
Fruto da experiência acumulada ao longo dos anos anteriores, considero ter adquirido conhecimentos suficientes para desempenhar esta função. Contudo, não deixa de ser desafiador estar à frente dos destinos de uma empresa ligada ao setor marítimo e portuário, pois os desafios são diários e constantes, se considerarmos que a empresa perdeu todo o seu acervo material e capital humano. A nossa missão é fazer renascer a SECIL como uma empresa rentável, focada no transporte de pessoas e cargas dentro e fora do país. Os valores necessários para o desempenho desta função passam pela honestidade, humildade, integridade, resiliência e gestão parcimoniosa da coisa pública. 

É significativo o impacto da pandemia nas receitas de 2020-2022?
Como qualquer agente económico no mercado nacional e internacional, a pandemia criou uma pressão de tesouraria a todos os players do mercado. A SECIL Marítima não foi exceção. Muitos dos projetos do Estado foram paralisados e, com isso, deixaram de importar cargas de projetos, o que afetou sobremaneira as nossas receitas. Por esta razão, decidimos fazer da cabotagem a nossa atividade charneira para alavancar o crescimento da empresa.
Falemos do futuro, quais são os planos?
Com base no Plano de Negócios para o período 2020-2030, a administração da SECIL Marítima tem vindo a apostar em ações de investimento, de forma a permitir a operacionalização eficiente da Cabotagem Norte, que passa por um processo de formação, afirmação e estabilização, que proporciona uma estrutura organizacional e funcional que garante um nível de otimização de processos operacionais e de gestão, assegurando uma atividade de cabotagem com continuidade. Ainda tendo em vista a propensão da empresa para o processo de privatização, para além da diversificação dos segmentos de mercado de atuação, a SECIL deverá imperiosamente trabalhar junto das instâncias governamentais de tutela e outros afins, no sentido de capitalizar a empresa e continuar a sanear o excessivo passivo contraído pela empresa ao longo dos anos, de forma a equilibrar o seu capital próprio.

O transporte de passageiros é uma aposta da SECIL para os próximos anos?
O transporte de passageiros é, e continuará a ser, uma aposta para a empresa. Nas condições atuais e em função das taxas e tarifas cobradas pelos portos nacionais, o transporte de passageiros ainda não é uma atividade rentável, em função dos custos operacionais altíssimos. Contudo, sendo uma atividade eminentemente social, vamos continuar com este negócio, lutando para que a revisão do tarifário seja um factor para permitir a rentabilização das nossas embarcações.

«O transporte de passageiros ainda não é uma atividade rentável»
Com a privatização da empresa o que vai mudar?
A privatização vai representar uma abertura do capital para o setor privado, permitindo uma redefinição da estratégia e posicionamento no mercado interno, trazendo maiores investimentos. A intenção é transformar a SECIL Marítima numa empresa competitiva e, quiçá, a maior e mais bem posicionada no mercado nacional para o transporte de passageiros e cargas. 

Qual é a visão que partilha quanto à indústria da logística e transportes em Angola? E que papel ocupa a SECIL no contexto económico do país?
Angola, sendo um país vasto, onde cerca de 51% da população vive no litoral, assenta num progresso sustentável que passa necessariamente pelo desenvolvimento da logística e transportes. No passado, o conceito de logística abarcava somente atividades relacionadas ao armazenamento e transporte de mercadorias, hoje, engloba muitas mais variáveis dentro de um negócio. No nosso país, ainda existem assimetrias no desenvolvimento entre as províncias do litoral e do interior. As políticas governamentais sobre a logística e transportes só começaram agora a serem debruçadas com maior seriedade e enfoque, mas ainda creio que temos um caminho longo a percorrer para transformar este setor de atividade mais atrativo. Importa aprofundar a questão relativa ao impacto económico sofrido pelos países com minguada frota de navios de longo curso, especialmente no que tange à influência negativa sobre a balança de pagamentos pela contratação de serviços junto ao estrangeiro. Com a falta de investimentos sérios, a SECIL Marítima conheceu momentos amargos na sua estrutura de custos e, não tendo frota própria, foi deixada à sua sorte. Hoje, com a atual situação, a empresa começa a conhecer um novo momento, com a receção de embarcações do tipo catamarã para o início do transporte de passageiros e carga, estando assim lançadas as bases para o seu desenvolvimento sustentável. É nesta perspetiva que entendemos que o papel da SECIL, no atual contexto económico do país, seja relevante no sentido de impulsionar as trocas comerciais e o transporte de mercadorias e passageiros entre os portos do país.
T. Joana Rebelo
F. Direitos Reservados