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Paula Osório

«A liderança feminina já é uma realidade que não causa estranheza ou desconforto»

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Filha da primeira secretária negra da Presidência da República de Portugal e do Diretor Geral da Alfândega, Paula Osório é uma das convidadas desta edição de aniversário. Comprometida com a Lei e a Ordem, formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e é hoje jurista. Entre Lisboa e Luanda, vai construindo a sua vida, colaborando, atualmente, com a Sociedade de Advogados Andrade e Mora, no apoio ao investimento em África. Confessa que com a experiência aprendeu que «os problemas da justiça não se encontram ao nível da falta de normatividade, mas na falta de aplicação da lei ou de um emprego deficiente da mesma». 

Quem é a Paula Osório?
Nasci em Luanda, sou filha de mãe malanjina e de pai português. Estudei no Colégio de S. José de Cluny e licenciei-me na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Sou mãe e vivo entre Luanda e Lisboa.

Porquê Direito?
Filha única, cedo troquei os brinquedos pelos livros, tal como cedo revelei um elevado interesse pela Lei e pela Ordem, a que não terá sido alheio um elevado sentido de justiça e injustiça, fruto da vivência e do ambiente de guerra dos primeiros anos da Independência e de uma educação rígida e de valores tradicionais, que o meu pai, Diretor Geral da Alfândega de Portugal, exerceu sobre mim; assim como a minha mãe, primeira secretária negra na Presidência da República de Portugal, com os desafios inerentes a esta circunstância. A confluência destes fatores e desafios levou-me a escolher Direito, por acreditar que essa via me iria permitir dar um contributo, ainda que pequeno, no cumprimento dos direitos humanos, da igualdade entre os povos e da igualdade de oportunidades. 

Qual é a sua área específica de atuação?
O meu percurso profissional teve início em Portugal, na área das Obras Públicas, mais especificamente nas Infraestruturas de Portugal. Trabalhei no setor privado na Oil & Gase na sociedade de advogados Miranda Law Firm, com escritório em Luanda. Mais tarde, dirigi uma organização ligada ao fomento do empreendedorismo e apoio à internacionalização de empresas no concelho de Oeiras, no âmbito do qual promovi missões empresariais a Angola.
O conhecimento profundo da cultura organizacional das entidades angolanas e o domínio do modelo de funcionamento do empresariado português permitiu-me posicionar-me no mercado como consultora de projetos de grande dimensão e elevado valor acrescentado, contribuindo de forma decisiva para a melhoria do ambiente de negócios e para o sucesso dos projetos em que estive envolvida. Atualmente, colaboro com a Sociedade de Advogados Andrade e Mora, no apoio ao investimento em África. 

Indique a maior conquista da sua carreira profissional.
Não posso destacar uma conquista. Todas e cada uma das fases do meu percurso profissional permitiram-me adquirir e aprofundar competências que contribuíram para a atual maturidade profissional.   

«Cedo troquei os brinquedos pelos livros»

Quais são os principais desafios que os profissionais do seu setor enfrentam, atualmente?
Preservar, ao longo da carreira, a credibilidade, honorabilidade e integridade, que conduzem à confiança, e não apenas o desempenho técnico. E, sobretudo, a permanente prossecução dos superiores interesses do cliente, garantindo a fidelização, que é a prova inequívoca da confiança depositada no bom desempenho do profissional.

E as oportunidades?
A multidisciplinaridade dos projetos permite desenvolver competências em distintas áreas do conhecimento. No meu caso, o acompanhamento dos clientes em processos de complexidade negocial, em países com diferentes ambientes corporativos e políticos, obrigou-me a ajustar a cada realidade e organização, assim como a adaptar a abordagem e linguagem utilizadas. De tal forma que, essa expertise, adquirida ao longo de anos de experiência, me conduziu recentemente para um caminho de mentoria empresarial, que me levou a escrever o Guia Prático de Protocolo e Etiqueta para Empresários e Líderes, que será apresentado ao público em breve.

A sua vida desenrola-se entre Lisboa e Luanda. Quais são os problemas de cariz judicial que persistem em ambos os países?
Em Angola, o número de tribunais e de profissionais da justiça – juízes, advogados, escrivães, ajudantes e oficiais de diligência – não acompanhou o aumento exponencial da população do país, que tem crescido a taxas constantes de mais de 3% ao ano, passando de 26 milhões de habitantes, em 2014, para os atuais 35 milhões, o que tem provocado a morosidade da justiça, principalmente, nos tribunais cíveis. Mas muitos têm sido os passos dados e é notável a entrega com que estes profissionais, sobretudo na província, se dedicam, com diligência, a minimizar o impacto do volume de processos.
Em Portugal, este mesmo tema, relativo à morosidade da Justiça, é sistémico: os processos são lentos e onerosos (taxas de justiça elevadas), de tal forma que, quando as sentenças transitam em julgado, a decisão, muitas vezes, já não chega em tempo útil e é mais difícil encontrar uma explicação para a falta de resolução desta deficiência do sistema.
Muito se tem falado do combate à corrupção à escala global. Em Angola, desde que o Presidente João Lourenço elegeu, em 2017, o combate à corrupção como o desiderato da sua Presidência, todos os olhos têm estado postos sobre o andamento de processos judiciais mediáticos. Diferentes instâncias internacionais têm reconhecido o mérito dos tribunais angolanos e o seu contributo para a transparência dos processos judiciais contra a corrupção. Portugal tem estado em sentido inverso. Em 2020, a Comissão Europeia considerou ser deficiente o combate à corrupção em Portugal nos tribunais e identificou várias falhas no escrutínio do sistema de distribuição dos processos judiciais.

Existem semelhanças entre os ordenamentos jurídicos de Portugal e Angola?
Os ordenamentos jurídicos, embora possuam muitas semelhanças, são distintos. Eu creio que a questão se prende mais com o facto de valer ou não a pena intentar ações em tribunais angolanos e se as suas decisões são respeitadas e executadas, tal como na Europa, ou mais especificamente, em Portugal. E, nesse caso, a minha resposta é positiva. 

«Em Angola, o número de tribunais e de profissionais da justiça (...) não acompanhou o aumento exponencial da população»

Alguma vez se sentiu vítima da desigualdade de género, no decorrer da sua atividade profissional?
Sim. Já senti discriminação positiva, isto é, ser beneficiada por ser mulher. Por exemplo, em notava, era mais fácil para mim marcar uma reunião ou ser ouvida do que para os meus colegas do sexo masculino. Mas a discriminação negativa era de longe a mais frequente, notando um tratamento diferenciado e preconceituoso pelo facto de ser mulher. Em ambos os casos, aconteceu sobretudo nos primeiros anos da minha carreira. Ser mulher, jovem e bonita era sinónimo de menor capacidade ou até menor inteligência. Sempre gostei de trabalhar com mulheres e contratei várias com as quais tive o privilégio de criar um ambiente de trabalho entusiástico, num universo maioritariamente masculino. Creio que a sociedade, no seu todo, evoluiu muito. Hoje, a liderança feminina já é uma realidade que não causa estranheza ou desconforto.

Qual foi o maior ensinamento que a carreira lhe deu?
Aprendi que os problemas da justiça não se encontram ao nível da falta de normatividade, mas na falta de aplicação da lei ou de um emprego deficiente da mesma. A carreira permitiu-me, principalmente, a realização como profissional, embora o mais importante na minha vida seja a família e o amor. 

Celebramos o 13.º aniversário da revista Villas&Golfe em Angola. O que representaram, para si, estes últimos anos na sua vida e no país?
Há 13 anos estava a iniciar um mestrado e a afirmar-me como profissional, ao mesmo tempo que seguia novos rumos como Mulher independente; tal como a fénix, a renascer para uma nova fase da minha vida, e que me permitiu ser a Mulher que hoje sou. Enquanto eu estava a redescobrir-me, o mundo estava a descobrir a Angola do pós-Guerra. Foi o início de uma fase de enorme entusiasmo e de mudanças que viriam a colocar Angola no epicentro político e geoestratégico de África.  
T. Joana Rebelo
F. Direitos Reservados