Ricardo Marfim dos Santos

A Tecnovia Angola foi constituída em 1992. Que papel tem assumido a empresa no desenvolvimento e crescimento do país e das suas gentes?
Essencialmente, tem participado ativamente na construção do país. Desde a sua criação, em 1992, tem-se focado no setor das obras públicas, tendo participado em diversos projetos de construção e reabilitação nas mais diversas áreas, desde infraestruturas e obras de arte (estradas, pontes, túneis, etc.) a obras de construção civil. Podemos afirmar que fazemos parte da história de Angola.

Iniciaram a atividade com obras de infraestruturas e assim se mantêm até hoje. Falamos de muitas obras públicas?
Sim, somos claramente uma empresa de obras públicas, mas também de construção civil. Atuamos maioritariamente no setor público. Construímos centenas de quilómetros de estrada, pontes, viadutos, obras portuárias, aeroportuárias. Em suma, um pouco de tudo o que encaixa no setor público e que impacta diretamente na vida das pessoas. Gostamos de sentir que as comunidades beneficiam daquilo que fazemos.

O que foi, é e será, a Tecnovia em Angola?
Existe um elo comum e transversal à linha do tempo que é a confiança. Os nossos clientes sentem que podem confiar na Tecnovia. Queremos que o bom nome perdure e sejamos reconhecidos como uma empresa credível e de qualidade. Aquilo que será, só o futuro nos dirá, mas acredito que cresceremos sustentavelmente. Não estamos focados apenas no crescimento em termos de dimensão, mas também na consolidação das nossas valências e valores, para que o processo de melhoria contínua possua uma forte representatividade junto dos nossos stakeholders.

Que balanço faz dos últimos dois anos, tendo em conta que falamos de dois anos pandémicos. E como superou a Tecnovia a crise da COVID-19?
Os efeitos da pandemia ainda se fazem sentir. No entanto, aprendemos muito. Penso que também nos trouxe algo positivo, apesar de toda a conotação negativa associada. Foram momentos críticos, sobretudo para aqueles que perderam vidas humanas. Felizmente, nós não tivemos qualquer baixa a registar. Aprendemos a lidar com a mudança de forma abrupta, o que nos trouxe outras valências e nos deixou mais bem preparados para lidar com as adversidades. Houve a necessidade de nos adaptarmos rapidamente e essa capacidade ajudou-nos a superar as dificuldades com agilidade. Agora, é um facto, afetou-nos negativamente em termos de negócio. Houve um desinvestimento público considerável, e a Tecnovia, atuando praticamente no setor público, acabou por sofrer essas consequências. Contudo, mantivemo-nos firmes. 

«As pessoas usufruem daquilo que nós fazemos»

Quais as vossas principais obras em Angola? E em que províncias estão mais presentes?
Estamos presentes, atualmente, em oito províncias, mas podemos mobilizar-nos para qualquer uma das 18. Já estivemos presentes em algumas onde não estamos hoje, e iremos estar certamente noutras onde nunca estivemos. Possuímos uma capacidade de mobilização e de recursos internos que permite diferenciar-nos da maior parte da concorrência. Executámos obras que as pessoas identificam assim que falamos delas, dentro e fora de Luanda. Uma dessas obras é a outrora conhecida «Ponte Molhada», que não sendo a mais complexa, todos conhecem. Atualmente estamos a executar um projeto muito importante, cuja inauguração está prevista ainda para este ano, o Nó de Talatona – um desnivelamento de vias com dois túneis e uma rotunda de grande dimensão, que vai reformular radicalmente o trânsito em Luanda. Esta é uma obra extremamente importante para a cidade e também para o país. Pelo caminho, executámos outras igualmente importantes. Apenas a título de exemplo, uma ponte no Cuito Cuanavale, província de Cuando Cubango, no local onde se desenrolou o maior confronto militar da guerra civil Angolana, ou a construção do Aeroporto Manuel Quarta Punza, no Uíge. 

Em termos de recursos humanos, qual o vosso processo de formação?
A Tecnovia conta hoje com cerca de mil colaboradores em Angola. Perto de cem são expatriados, mas a ideia passa por reduzir paulatinamente o rácio da força de trabalho estrangeira. A formação interna dos nossos colaboradores angolanos é uma prioridade. Temos assinados protocolos de colaboração com a faculdade de engenharia da Universidade Agostinho Neto e com o RETFOP – um projeto executado pela cooperação portuguesa, com financiamento da União Europeia, destinado a revitalizar o ensino técnico e a formação profissional. O objetivo é estabelecer cooperações bilaterais no sentido de não só absorver alunos finalistas, mas também contribuir e partilhar, em termos técnicos, o nosso conhecimento e experiência.
Não se tem revelado fácil recrutarmos quadros técnicos quer nacionais, quer expatriados. Temos contratado colaboradores que se formaram em Angola e outros em Portugal, mas efetivamente notamos que existe uma crescente dificuldade em conseguir reter quadros, principalmente os formados em Angola. Existem lacunas que têm de ser urgentemente sanadas, razão pela qual acredito que as empresas desempenhem um papel fundamental na formação e na cooperação com as entidades educativas.

Apoiam também iniciativas de caráter cultural e social, principalmente associadas à educação. Como lidam com os problemas sociais que vos rodeiam enquanto empresa em Angola?
Não podemos ser indiferentes ao local onde atuamos. Apesar de possuirmos raízes culturais europeias, pois fazemos parte de um grupo português, operamos em Angola e consideramo-nos uma empresa angolana. Assim, achamos que a empresa deve ter um papel ativo ao nível da responsabilidade social, sendo nosso dever contribuir para o benefício direto das comunidades, não só através das obras que executamos, mas também através do nosso conhecimento, do nosso esforço pessoal, em prol das pessoas e, nalguns casos, em regime de voluntariado. Fazemo-lo há anos, para melhoria das condições humanas e de educação, mas não fazemos disso grande bandeira, não publicitamos, porque o importante é a intenção e o compromisso de o fazer.

Qual a sua opinião sobre esta nova crise da guerra na Europa que está a causar uma escalada nos preços das matérias-primas e até escassez?
Em Angola é uma questão paradoxal. Apesar de os preços já se fazerem sentir nas importações nos mercados europeus, Angola apresenta ainda uma forte dependência das receitas do petróleo, estando o mesmo em alta neste momento. Ou seja, se por um lado, sofremos as consequências das importações serem mais caras, no que toca a transportes marítimos e aéreos, por outro, o país tenderá a ganhar com a subida do preço do petróleo. Portanto, não é possível, neste momento, perspetivar, a curto prazo, o que poderá acontecer, nem em Angola, nem na nossa atividade, até porque prefiro manter uma opinião neutra, em que se perde, por um lado, mas em que, por outro, podemos eventualmente registar uma alavancagem da economia que permita ao Estado reforçar os seus investimentos públicos.  

Considera que o mercado angolano valoriza critérios como a qualidade de construção, eficiência energética, sustentabilidade e soluções técnicas inovadoras?
Diria que se começa a considerar esses fatores como algo essencial. Já se olha para estes temas com a naturalidade com que, na Europa, os mesmos são tratados. Angola é ainda um país jovem, com pouco menos de 50 anos pós-independência e, portanto, qualquer mudança que ocorra num mercado mais desenvolvido é importada praticamente de imediato para o país. Existe, porém, um longo caminho para percorrer. Independentemente disso, temos como princípio, no caso da Tecnovia, aplicar os standards da indústria, reconhecidos a nível mundial. Somos uma empresa certificada, operamos em mercados em que a qualidade é uma condição indiscutível, assim como a sustentabilidade que, cada vez mais, tem um peso fundamental na economia. Recordo que, há 20 anos, as preocupações com segurança e ambiente ainda eram algo incipientes. Em Angola, estes conceitos estão perfeitamente interiorizados, sabendo que há ainda muito por fazer. Quem investir na implementação destas componentes, quer sejam empresas diretamente ligadas a essas áreas ou empresas que, como a nossa, as utilizam como forma de apoio à sua gestão, está certamente no bom caminho.

E como vê a Tecnovia daqui a dez anos?
Certamente uma das mais reconhecidas, não necessariamente em termos de dimensão, mas pela sua credibilidade, pela qualidade daquilo que fazemos, pelo empenho dos seus colaboradores. Sabemos que a imagem da empresa é transmitida em primeira instância pelos nossos colaboradores, pelo que, se não conseguirmos passar a nossa mensagem, a nossa cultura e a nossa forma de estar no mercado, não conseguiremos certamente passar essa credibilidade ao cliente.  

E quem é o Ricardo fora do mundo da gestão da Tecnovia?
 Sempre contestei a ideia das pessoas que são workaholics, mas efetivamente dou por mim – uma vez que vivo sozinho em Angola (a família está em Portugal) –, nos poucos tempos livres – que se resumem praticamente ao tempo do jantar e aos fins de semana –, a trabalhar, entre visitas a obras e respostas a emails. Acabo por não ter um período reservado para fazer desporto e conviver, pois passo o meu tempo quase sempre a trabalhar ou a pensar no trabalho. Quando se faz aquilo de que se gosta, efetivamente, perde-se a noção do tempo. E o facto de ter a família longe dá-me abertura para me focar no trabalho. Por vezes, dou por mim a enviar mensagens às onze da noite, algo que abominava completamente.